Tempo de leitura: 14 minutos
O prontuário é parte corriqueira do cotidiano médico. Ele é, afinal, obrigatório para todos os pacientes que entram no consultório, além de ser indispensável para um atendimento contínuo de qualidade.
O objetivo deste artigo é apresentar a legislação e a ética que existem por trás do preenchimento de tal arquivo, visando garantir segurança a você e ao paciente. A princípio, vamos voltar um pouco na história e trazer o contexto do início dos registros de saúde do paciente, para em seguida avançarmos para as questões legais e éticas que os envolvem.
História
Existem evidências do registro médico desde tempos muito antigos. Foram descobertas informações sobre doenças e pacientes datadas de 4.500 a.C; alguns relatórios do Egito Antigo e até mesmo anotações de Hipócrates, que observou e anotou, com zelo científico, vários sinais e sintomas de males diversos.
No decorrer da história, seja por necessidade ou outros motivos, organizar o histórico dos pacientes e a evolução dos casos médicos se tornou uma prática cada vez mais comum e recorrente, ainda que de maneira lenta.
Em terras tupiniquins, o primeiro hospital a implantar o serviço de arquivo médico foi o Hospital da Universidade de São Paulo, em 1943. O exemplo foi seguido pela Santa Casa de Santos, em 1945, e depois pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.
Em 1952, com a Lei Alípio Correia Netto, passou a ser exigido dos hospitais públicos e filantrópicos que arquivassem as histórias clínicas de forma adequada, para que não deixassem de receber os subsídios do governo.
Embora 30 anos atrás um médico de família pudesse guardar todas as informações referentes aos seus pacientes em nada além de sua memória, nos dias de hoje a medicina moderna exige prontuários completos, com informações de qualidade e disponíveis ao paciente. Inclusive, para que um hospital seja certificado pelo Programa Brasileiro de Acreditação Hospitalar, além das exigências acima, é preciso que o documento também esteja disponível às áreas assistenciais.
Prontuário do Paciente ou Prontuário Médico?
O termo prontuário vem do latim promptuarium e designa, juridicamente, toda a espécie de livro de apontamentos (classificados em determinada ordem) e o local onde está disposto qualquer tipo de informação que deva ser encontrada facilmente.
Como o principal objetivo do prontuário, dentro da Medicina, é facilitar o momento de atendimento ao paciente, nada mais natural do que ele ser chamado de “prontuário do paciente”, haja vista que as informações ali contidas são referentes a este e não ao médico. O nome também faz sentido quando pensamos que outros profissionais de saúde, envolvidos no tratamento daquele indivíduo, como enfermeiros e fisioterapeutas, também participam da equipe multidisciplinar que possui acesso ao documento.
Questões Éticas e Legais
Para garantir a eficácia no atendimento contínuo ao paciente, o prontuário se torna peça fundamental. Por isso, diversas normas e legislações foram criadas para reger tudo o que diz respeito a este documento, e o cumprimento de tais questões deve ser observado com rigor.
Este é, afinal, um compromisso ético e legal assumido por todos os médicos e, se necessário, se torna o seu principal argumento de defesa.
Acerca do prontuário médico, os principais tópicos abordados pela legislação brasileira são os que seguem abaixo:
Obrigatoriedade
É obrigatório o registro de qualquer atendimento prestado ao paciente por qualquer profissional de saúde, seja em instituição hospitalar, consultórios ou unidades de saúde. Tal registro deve ser feito, impreterivelmente, em prontuário. Segundo o Artigo 87 do Código de Ética Médica, é vedado ao médico “deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente”.
Finalidades
De acordo com a definição dada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), o prontuário deve ser considerado “como o documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo.” (Resolução nº CFM 1.638/2002).
Conteúdo:
O artigo 5º da Resolução nº 1.638/2002 do CFM determina os itens que deverão, obrigatoriamente, constar no prontuário, seja ele eletrônico ou de papel:
-
a. Identificação do paciente – nome completo, data de nascimento (dia, mês e ano com quatro dígitos), sexo, nome da mãe, naturalidade (indicando o município e o estado de nascimento), endereço completo (nome da via pública, número, complemento, bairro/distrito, município, estado e CEP);
b. Anamnese, exame físico, exames complementares solicitados e seus respectivos resultados, hipóteses diagnósticas, diagnóstico definitivo e tratamento efetuado;
c. Evolução diária do paciente, com data e hora, discriminação de todos os procedimentos aos quais o mesmo foi submetido e identificação dos profissionais que os realizaram, assinados eletronicamente quando elaborados e/ou armazenados em meio eletrônico;
d. Nos prontuários em suporte de papel, é obrigatória a legibilidade da letra do profissional que atendeu o paciente, bem como a identificação dos profissionais prestadores do atendimento. São também obrigatórias a assinatura e o respectivo número do CRM;
e. Nos casos emergenciais, nos quais seja impossível a colheita de história clínica do paciente, deverá constar relato médico completo de todos os procedimentos realizados e que tenham possibilitado o diagnóstico e/ou a remoção para outra unidade.
Armazenamento
Levando em consideração, como já dito diversas vezes, que o prontuário é um documento de extrema importância para o atendimento contínuo do paciente, seria correto pensar que o armazenamento dos dados deveria ser feito enquanto o paciente estivesse vivo (e quem sabe até depois, para se tornar objeto de estudo da ciência).
Infelizmente, são diversos os obstáculos que impedem este armazenamento vitalício. A falta de fidelidade do paciente ao médico impede, muitas vezes, que se saiba se tal paciente permanece vivo ou não. Outro fator é a falta de espaço físico, que literalmente limita a quantidade de papel que pode ser armazenada.
Pensando nesses e em outros fatores, o CFM determinou, através do Artigo 4º da Resolução nº 1.639/2002, que o prontuário em papel seja armazenado por um período mínimo de 20 anos, partindo da última anotação feita. Já os registros eletrônicos devem ser mantidos indefinidamente.
Responsabilidade
De acordo com o artigo 2º da Resolução 1.638/2002 a responsabilidade pelo prontuário cabe:
-
I. Ao médico assistente e aos demais profissionais que compartilham do atendimento;
II. À hierarquia médica da instituição, nas suas respectivas áreas de atuação, que tem como dever zelar pela qualidade da prática médica ali desenvolvida;
III. À hierarquia médica constituída pelas chefias de equipe e chefias da Clínica, do setor até o diretor da Divisão Médica e/ou diretor técnico.
Sigilo
O sigilo médico é reconhecido como dever ético e moral. Não é, porém, absoluto, visto que sua quebra é prevista quando legalmente requerida (seja por interesses maiores da sociedade ou para proteger a saúde e o bem-estar do paciente).
Tal obrigação deve ser mantida não apenas de maneira passiva, ao não revelar as informações do paciente aos outros, mas também de maneira ativa, garantindo que os registros sejam propriamente armazenados e vetando o acesso a terceiros.
O sigilo médico é garantido por legislação bastante rigorosa:
Código Penal, Artigo 154: criminaliza a ação de “Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”– pena de 3 meses a 1 ano.
Código de Processo Penal, Artigo 207: “São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”.
Código de Processo Civil, Artigo 406, inciso II: “a testemunha não é obrigada a depor de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo”.
Código de Ética Médica, Capítulo IX:
“É vedado ao médico:
Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.
Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente.
Art. 75. Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente.
Art. 76. Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.
Art. 77. Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito. (nova redação – Resolução CFM nº 1997/2012)
(Redação anterior: Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito, salvo por expresso consentimento do seu representante legal. )
Art. 78. Deixar de orientar seus auxiliares e alunos a respeitar o sigilo profissional e zelar para que seja por eles mantido.
Art. 79. Deixar de guardar o sigilo profissional na cobrança de honorários por meio judicial ou extrajudicial.”.
Cópias de documentos do prontuário
Só é permitido fornecer cópia de documentos do prontuário ao paciente ou mediante expressa autorização do mesmo. Mesmo diante de solicitação judicial, cabe à comissão de prontuários decidir se deve ou não ser acatada, com base nos interesses do paciente.
A Resolução 1.605/2000 do CFM resolve que:
-
Art. 1º – O médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica.
Art. 2º – Nos casos do art. 269 do Código Penal, onde a comunicação de doença é compulsória, o dever do médico restringe-se exclusivamente a comunicar tal fato à autoridade competente, sendo proibida a remessa do prontuário médico do paciente.
Art. 3º – Na investigação da hipótese de cometimento de crime o médico está impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo criminal.
Art. 4º – Se na instrução de processo criminal for requisitada, por autoridade judiciária competente, a apresentação do conteúdo do prontuário ou da ficha médica, o médico disponibilizará os documentos ao perito nomeado pelo juiz, para que neles seja realizada perícia restrita aos fatos em questionamento.
Art. 5º – Se houver autorização expressa do paciente, tanto na solicitação como em documento diverso, o médico poderá encaminhar a ficha ou prontuário médico diretamente à autoridade requisitante.
Art. 6º – O médico deverá fornecer cópia da ficha ou do prontuário médico desde que solicitado pelo paciente ou requisitado pelos Conselhos Federal ou Regional de Medicina.
Art. 7º – Para sua defesa judicial, o médico poderá apresentar a ficha ou prontuário médico à autoridade competente, solicitando que a matéria seja mantida em segredo de justiça.
Art. 8º – Nos casos não previstos nesta resolução e sempre que houver conflito no tocante à remessa ou não dos documentos à autoridade requisitante, o médico deverá consultar o Conselho de Medicina, onde mantém sua inscrição, quanto ao procedimento a ser adotado.
Art. 9º – Ficam revogadas as disposições em contrário, em especial a Resolução CFM nº 999/80.
Prontuário Eletrônico do Paciente
Uma sessão plenária do Conselho Federal de Medicina, em 2002, definiu a possibilidade de elaboração e arquivamento de prontuário de maneira digital.
As vantagens de se manter um prontuário eletrônico em vez de um de papel são inúmeras e, apesar de já mencionadas diversas vezes aqui no blog, vamos falar de algumas a seguir.
Liberação de espaço físico
Levando em consideração que os arquivos dos pacientes devem ser guardados pelo médico por, no mínimo, 20 anos desde a última entrada de informação feita no documento, dá para imaginar a quantidade de espaço que será tomada apenas para armazenamento, no decorrer de duas décadas.
Guardar os arquivos em uma nuvem virtual faz com que o espaço disponível em sua clínica possa ser utilizado para o que importa: prestar um atendimento de qualidade ao paciente.
Acesso rápido às informações
Encontrar de forma rápida as informações que você precisa sobre determinado paciente é, com certeza, uma vantagem. Imagine procurar uma informação sobre uma prescrição médica feita em uma consulta de 5 anos atrás, de um paciente que você atende há mais de 10 anos? Levaria alguns bons minutos, não é mesmo? Com o prontuário eletrônico, você pode filtrar as informações de que necessita, facilitando o processo e economizando tempo.
Redução de erros
Quando transcrevemos algo, de maneira rápida e à mão, temos a tendência de sermos um pouco descuidados com a nossa letra. Esse é um risco que não corremos com o prontuário digital.
Esse cuidado facilita para o médico, ao procurar informações no histórico que talvez não tenham sido colocadas ali por ele, e facilita também para o paciente, que pode entender a receita médica sem maiores problemas.
Essas são algumas das vantagens, mas não se engane: podem também haver desvantagens, e por isso é importante tomar um grande cuidado e avaliar bem as opções. Caso queira saber mais, você pode ler este artigo aqui, que é um guia completo sobre o prontuário eletrônico do paciente.
Resumindo: o prontuário é um documento legal e obrigatório, de direito do paciente e de responsabilidade do médico e da instituição de saúde. Seu preenchimento deve ser feito de maneira diligente e cuidadosa, sempre.
Tem alguma dúvida sobre o prontuário do paciente? Deixe seu comentário aqui e vamos conversar!